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#4 – A dor de Tulipa

junho 17, 2010

– E aí, mano, como cê tá?

– E aí, Medrado. – Tulipa soou desanimado, evasivo.

– Tá indo aonde? – não houve resposta. Medrado se incomodou. – Onde arranjou essa soqueira?

– Ô! Tá trampando no quarto andar, é, caralho?

– Se fuder, Tulipa, cê tá bem loco!

Ficaram em silêncio, excitados e ofendidos. Tulipa estava mesmo esquisito, com os olhos meio arregalados, reflexos inquietos. Devia estar ouvindo Frenesina de novo (droga legalizada, gratuita pra download). Esbarrou em Medrado para abrir caminho e seguiu andando depressa. O outro foi seguindo. Passaram por uma antiga alameda iluminada ainda por luz elétrica até que Tulipa freou, em frente ao Café Drallada. Hector molhava o bigode escuro lá dentro, rindo elegantemente na companhia de seu novo pupilo, Lírio.

– Pendejo pederasta – sussurrou Tulipa, de si para si.

Tulipa entrou, prestes a cometer a maior cagada da vida dele. Medrado correu pra dentro do Café e abraçou o colega, levando-o meio que à força até um canto distante.

– Não faz isso, irmão.

O nariz de Tulipa enrubescera sob os olhos lavados. Tentou se desvencilhar de Medrado, mas o fazia já com movimentos fracos, muito afetados pela sensibilidade. Chorou um rio no ombro do amigo, ainda na flor da raiva. Então desferiu ali mesmo um soco no estômago de Medrado, que arregalou os olhos e caiu prostrado no chão, indicando, contudo, às testemunhas daquele ruído noturno, que tudo estava bem. Tulipa saiu do café limpando o rosto e o nariz, sentindo-se covarde e inválido. O outro, ainda sem ar, fingiu recompor-se rapidamente, procurando evitar socorro. Qualquer ruído era como bosta para o bando de moscas daquela repartição.

Lá fora a noite já ia longe, mas o menino sensível não queria voltar para casa e encarar novamente aquele pesadelo. Só que aquela dor latente era o preço do silêncio.

One Comment leave one →
  1. julho 17, 2010 3:12 pm

    Gostei! Ressaltou a sensibilidade estranha do cara…
    Rachel

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